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No nascimento vivencia-se a experiência de estar só ao mesmo tempo que vivencia-se a dependência de estar junto e ser cuidado para sobreviver. A vida que segue após os primeiros minutos carrega em si o paradoxo entre estar só e estar junto. Schopenhauer, no dilema do porco-espinho abre espaço pra um paralelo interessante sobre como lidar com a solidão: há que aprender estar junto para não passar frio, há que aprender estar longe para não machucar-se com os espinhos. Como descobrir a medida?
As atualizações sobre saúde e qualidade de vida apontam como tem sido difícil descobrir essa medida. Diferentes meios de comunicação noticiaram que a solidão tornou-se problema de Estado. No Reino Unido, por exemplo, foi criado o Ministério da Solidão, uma estratégia para combater a solidão e proteger as pessoas de adoecimento e mortes, principalmente na 3ª idade. Embora, muitas soluções visam a construção de vínculos para evitar o isolamento, não da para esquecer que estar acompanhado não é garantia de não sentir-se sozinho. Assim, refletir como fomos preparados para lidar com a solidão e como estamos ensinando as crianças é passo importante para pensar mudanças no contexto familiar e de saúde.
Como terapeuta relacional sistêmica tenho trabalhado com a solidão a partir de uma nova perspectiva, de que existe um grupo de pessoas conscientes da solidão e um grupo de pessoas que não estão conscientes dela. Na compreensão relacional sistêmica o primeiro grupo estaria subdivido entre as pessoas que têm consciência que a solidão existe, mas fazem de tudo para evitá-la, negam, fazem sintomas, sofrem e fazem sofrer e entre as pessoas que aceitam a solidão. Entre as que aceitam a solidão estariam as pessoas que aceitam e sofrem, culpabilizam, fazem sintomas e as que reconhecem as dificuldades, lidam com a solidão de um jeito útil, usam o espaço sozinhas para se conhecerem, ampararem suas dores e tristeza, refletirem, digerirem, crescerem. No segundo grupo estariam as pessoas que não têm consciência da solidão, a negam e vivem como se ela não existisse, fazem sintomas, sofrem, mas não relacionam nada disso com a solidão. O direcionamento para cada grupo depende de vários fatores, a forma que cada um aprendeu na família a lidar com a solidão é um deles.
Além do que se aprende na família sobre solidão, deve-se considerar que culturalmente, socialmente, historicamente a solidão carrega um aspecto muito negativo. O cinema, a telenovela, os seriados, transmitem muito a ideia de que legal é estar junto. Na Bíblia, todas as espécies ganham seus pares (para serem companhia e para se reproduzirem), inclusive Adão, que ao ser o único da sua espécie, recebe Eva para ser sua companheira. Fora isso, existe uma ideia que aqueles que crêem em Deus nunca estarão sozinhos. Checando outras áreas, a solitária é o castigo para o detento, para a criança é ficar sozinha no quarto ou na biblioteca da escola. Estar sozinho só seria interessante diante de um bom motivo: “antes só do que mal acompanhado”.
Estes dados contribuem para pensar como de um modo geral somos levados a não lidar com a solidão e evitá-la a qualquer custo. Para remar contra a maré é preciso investir energia e tempo para entrar em contato com a solidão e construir recursos para administrá-la, em vez de estratégias para combatê-la. Na família, as crianças podem ser ensinadas a lidar com a solidão desde que nascem. Seja possibilitando às crianças espaço pra sua privacidade, sem exigências de contarem tudo, compartilharem tudo, explicarem tudo, seja abrindo espaço para que tenham experiências sozinhas e possam ir descobrindo prazer em estar em sua própria companhia. Pais que conseguem respeitar os momentos de solidão dos filhos fazem sem cobrar explicações, porque entendem que a solidão é só mais uma emoção, não há nenhum mal em entrar em contato com ela. Mas a forma mais eficaz de trabalhar a solidão no espaço familiar é sendo exemplo, pais que aceitam que a solidão é inevitável, que nem tudo por ser dividido e compartilhado, pois ainda que se possa dividir sobre a dor ou a alegria com alguém só quem vive tem a experiência, veem na solidão um exercício de grande valor emocional, ao fazer isso abrem caminhos para criança construir as próprias aprendizagens, desenvolver autonomia, construir qualidade de vida e de relações. A solidão só será o mal do século se negarmos encarar o paradoxo entre estar só e estar juntos.
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